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Relato do Jornalista Adolfo Rossi, publicado no livro de sua viagem na região Polesine e Província de Rovigo, onde relata as más condições de vida e indulgência daquele povo durante a época das grandes emigrações

 

Adolfo Rossi (1857-1921) 

 

Na Região POLESINE*

Por Adolfo Rossi

*O presesnte artigo-reportagem de Adolfo Rossi, quanto nunca eloqüente ao documentar a situação da grave indigência que os últimos decênios do século IXX foi característico da terra polesana, foi publicado no diário “La Tribuna” em 1889. Foi posteriormente inserido no volume “Da Napoli ad Amburgo”, editado em 1893 e concretizado pelo mesmo autor com uma seleção de seus Mays qualificados serviços jornalísticos de denúncia de um mundo de pobreza e degradação, diferente naquele não smise jaMays de chamar a atenção pública.

    Durante aquela viagem, encontrando-me de passagem em Villanova Del Ghebbo, no coração da região Polesine, quis recolher algumas informações sobre as condições locais.

    Villanova Del Ghebbo é um município de 2700 habitantes, na planície entre os rios Adige e Po, situada sobre as margens do Adigetto, a cinco quilômetros de Lendinara, capital da região, e a quinze de Rovigo, capital da Província. A população em torno do centro é composta exclusivamente de camponeses; no município a única industria é aquela de sapateiro; a Mayor parte dos habitantes fabricam sapatos para alguns negociantes dos Mayores municípios vizinhos.

    Considerando que, talvez Mays por tradição que por outra razão, a Mayoria é religiosa, achei oportuno começar dirigindo-me ao pároco Don Giovanni Battista Baroni, que primeiro como Capelão e depois como Arciprestre, se encontra em Villanova há quase quarenta anos. É um padre alto e magro, que deve ter Mays de sessenta anos, mas que mostra muito menos, inteligentíssimo.

    Já que me conhece desde criança, ele se abre comigo com liberdade, bem longe de suspeitar que aquele diálogo pudesse vir depois, ser impresso.

    - Como vai sua paróquia? – lhe disse.

    - Penso que assim não se pode continuar! – me responde melancolicamente.

    - Eh! Reverendo, há vinte anos atrás, talvez, também dizia a mesma coisa. É próprio da natureza humana de não estar nunca contente e de mostrar-se eternamente saudoso do tempo passado.

    - Não, não, caro amigo; aqui temos uma piora constante e progressiva. E te mostro agora. Faz quarenta anos, quando era jovem e vim para esta Paróquia, os habitantes eram apenas mil e oitocentos. Os impostos, baixíssimos, não se sentiam de jeito nenhum; as famílias viviam costumes simples, patriarcais; o bem-estar era, se pode dizer, geral, e a população aumentava constantemente, até que se alcançou a cifra de quase dois mil e setecentos. Tal aumento não preocupava, raramente as epidemias de cólera, mas as necessidades se supriam rapidamente. Agora, ao invés, faz alguns anos que a população não cresce Mays como antes e os casamentos diminuem continuamente. As famílias um pouco Mays abastadas se contam nos dedos; muitos que estavam bem se reduziram a miseráveis. Nos últimos trinta e seis meses, Mays de trinta famílias, somando cento e cinqüenta pessoas, emigraram para a América...          

    - Quando foi que esta decadência geral começou a acentuar-se?

    - Pouco depois de sessenta (1860), quando a Áustria aumentou os impostos; e cresceram sem interrupção depois de sessenta e seis (1866).

    - E as causas?

    - A principal foi certamente este terrível aumento nos impostos de todos os gêneros, o qual traria como primeira conseqüência uma piora geral da alimentação. Ora, os pais mal-nutridos, descontentes com eles próprios e com tudo, não cuidam da criação dos filhos; educação e instrução são negligenciadas; e assim a piora material levou à piora moral. Nos primeiros anos que morei aqui, um caso de nascimento ilegítimo era raríssimo, excepcional; hoje são quatro ou cinco, a cada ano, os filhos naturais que se juntam aos abandonados, enjeitados.

    - E as famílias que passam literalmente a fome?

    - Muitas. Casos de mortes, por fome, não tivemos porque é notório o quanto estamos sóbrios destas desgraças. Poucas fatias de polenta sem acompanhamentos bastam aqui, como alimento diário de uma família. Mas se as pessoas não morrem por absoluta falta de alguns nutrientes, são muitos os habitantes que conduzem uma vida, a qual, a morte seria preferível: magros, pálidos, amarelos, são afetados pela pelagra e por uma quantidade de outras doenças contra as quais todos os remédios se tornam inúteis porque somente um seria o remédio: uma melhor alimentação.

    - A assistência pública?

    - A nossa congregação de caridade gasta três mil liras ao ano em remédios e gêneros alimentícios, o quádruplo daquilo que bastava há alguns anos ou são as poucas famílias prósperas que não negam nunca um pedaço de pão ou de polenta aos tantos miseráveis que vão mendigando de porta em porta; mas tudo isso, naturalmente, é insuficiente. O empobrecimento do clero, pois, secou uma das fontes de assistência...

    - A propósito: os padres hoje possuem aqui, a mesma autoridade de antes?

    - Ah! – suspirou o Arciprestre – foi um grande erro aquilo de perseguir a religião. A atitude tomada pelo Estado contra o clero diminuiu o nosso prestígio. Antes, nesta cidade, o padre era como um pai: uma única palavra bastava para ajustar as desavenças nas famílias; a sua intervenção oportuna prevenia as relações ilegítimas e organizava os casamentos. Hoje diminui a fé, e com a fé se vão a obediência e a resignação. A simplicidade de antes foi trocada por uma certa tendência ao luxo que gera, pois, o vício. As discórdias nas famílias, entre os cônjuges, são constantes; crescem as separações; os deságios materiais, como dizia, procedem junto com um mal-estar moral, com uma inquietação, uma tristeza, um desespero inquietante.

    - E quais remédios o senhor vê a este desolador estado de coisas?

    - No campo material, me parece que o primeiro deveria ser o desarmamento gradual que permitiria uma grande diminuição de impostos e deixaria as famílias em melhores condições que ora vêem diminuindo periodicamente do contingente permanente. São incalculáveis os danos que cada ano os nossos campos, as nossas pequenas comunidades, vêem passando.

    - Como foi que em 1886 a Assembléia de Rovigo mandou inesperadamente à Câmara, quatro radicais, e que nas últimas eleições voltou aos moderados?

    - A resposta é simplíssima. Em 1886 se esperava do governo uma melhora significativa; esta melhora não foi verificada, e o corpo eleitoral repreendeu a sua apatia.

    - E o sentimento atual da população?

    - É que assim não se pode continuar.

    Interrogando outras pessoas da cidade senti de todos a mesma conclusão. Em muitas há um temor de uma iminente catástrofe geral. Outras se limitam a desejar uma revolução, até mesmo uma invasão estrangeira, convencidas que pior do que isso o negócio não pode ficar.

    Tudo isso é muito triste; mas visitando aquelas comunidades se entende perfeitamente.

    Para ver qualquer interior da casa dos habitantes de Villanova del Ghebbo, acompanhei um dia, no seu giro cotidiano, a conduta de um médico, Dr. Nascimbeni.

    Na estrada de Valdentro, marcada com o número 64, encontra-se um casebre formado de dois murinhos caídos, cobertos com madeira. O único alojamento dormitório fechado entre duas paredes de tijolos desgastados pelos anos e duas paredes de bambu, tem por pavimento o chão batido e por mobília uma cama grande, um berço, um banquinho de sapateiro e nada Mays. As luzes penetram por duas janelas sem vidros, e em uma das quais foi adaptado um caixilho coberto com papel. Quando chove, a água entra pelas paredes, pelo teto deixando o chão todo com lama.

    O casebre era habitado pelo fabricante de tamancos Angelo Fuso, de trinta e três anos, a sua mulher e a filha deles, todos os três doentes. A mulher que tem apenas vinte e nove anos mostra quarenta, a miséria a envelheceu precocemente, a nutrição escassa e o alojamento insalubre.

    - Quanto ganha o vosso marido? – lhe pergunto.

    - De duas a três liras – me responde.

    - Ao dia?

    - Que coisa disse? Por semana, senhor.

    E reparando que eu examinava a casinha, acrescenta:

    - Se soubesse como é úmida! Embolora tudo. E pelo menos se o casebre fosse firme! Outra noite, quando soprava aquele grande vento, o teto rangia. Sabendo quanto a casa é velha e insegura, meu marido se veste e sai embaixo da chuva de medo que caia o teto abaixo. Não por nós Mays pela nossa filha. Por isso, seria melhor que morrêssemos.

    - O casebre é vosso?

    - Sim, mas nos custaria menos se o tivéssemos alugado.

    - E por quê?

    - Porque devemos pagar doze liras ao ano de imposto sobre proprietários.

    Certo: aquela casinha que não oferecia abrigo sólido e seguro das intempéries, nem mesmo a um burro, está inscrita no rol dos contribuintes de impostos. O desgraçado que a habita não ganha cinqüenta centavos ao dia e deve pagar uma lira ao mês de imposto; tem que trabalhar, isto é, dois dias dos trinta, para o fisco, ele que não consegue que a família não passe fome. São coisas que parecem inacreditáveis.

    Da região de Valdentro passamos na de Bornio, município de Villanova. Entramos em um outro casebre marcado com o número 53, habitado por dois irmãos de nome Bernardinello. Um destes, Antonio, chamado “o louco Ginelo”, é retardado mental de nascimento, mas a prefeitura não quer saber de colocá-lo em um asilo, com o pretexto que não é perigoso. Assim, o irmão, Luigi, foi obrigado a mandá-lo pedir esmolas. Somente há pouco tempo que o município decidiu a passar-lhe três liras a cada quinzena.

    O casebre é todo de bambu sustentado por poucos tijolos e erguido sobre a beira de uma vala larga de água corrente, chamada de Scolo. O interior da casinha, dividido em dois compartimentos, com uma divisória de firmes de madeira. No primeiro, onde há fornalha, dormem sobre duas camas Luigi e uma pobre velha hospedada por caridade dele que já, tão miserável; no outro dorme em um covil, “o louco”. Através das paredes e do teto se vê bem o céu, quão numerosas são as fissuras. Imagina-se como o casebre deve se encher d’água quando chove! Cada vez que acendem o fogo, pois, se enchem de fumaça: os bambus são todos escurecidos.

    Enquanto entrávamos, se fez presente “o louco”, homem de quarenta e sete anos, imundo, fedorento, de cabeça descoberta, com peito nu, com as calças amarradas por uma corda que transava de trás, como aquelas dos rapazes. Ele girava em voltas balbuciando palavras incoerentes e rindo bastante.

    A velha nos disse que ele é inofensivo, mas que precisa limpá-lo sempre como as crianças de poucos meses. Se bem que completamente estúpido, quando andava pedindo esmolas fazia pontualmente o seu giro perto do meio dia (hora do almoço) e se apresentava sozinho às portas das famílias menos pobres. Quando tem fome, come avidamente tudo aquilo que lhe dão: por encher deMays o estômago de polenta, desce depois na vala como um animal, beber água. Se lhe dão dinheiro, o dá à velha porque o confunde com o tabaco de nariz do qual gosta.

    Uma coisa notável é esta: que “o louco”, o qual dorme em um canto da casinha aberto ao vento e a chuva e que mesmo descalço também no inverno, em meio à neve, não está nunca doente.

    O Doutor Nascimbeni, que é um dos melhores médicos da Província, me dizia que as doenças Mays freqüentes nestes municípios de planície são as febres miasmáticas e as infecções gastrintestinais produtos da péssima qualidade da comida. Dois terços da população não comem a polenta; só em festa e não sempre, permite-se o “luxo” de uma fatia de toucinho por pessoa ou de uma sopa de arroz cozido na água e temperado com duas gotas de óleo. Certas famílias se limitam a nutrir-se somente de farinha de milho!

    - Com tais nutrientes – continuava o doutor – os organismos são débeis, fracos, debilitados. Aqui, as doenças não têm nunca uma forma característica, clínica; não se encontra uma do tipo cíclico; mas se apresentam distorcidas, complicadas, e precisa-se curá-las conforme os casos. Curá-las? Freqüentemente falta tudo. Certas curas tornam-se absolutamente impossíveis. Os convalescentes raramente têm um pouco de sopa e de carne. Apenas podem engolir qualquer coisa, mordendo uma fatia de polenta, quando muito uma polenta infasolà (com feijões).

     - E nesta estação, além das doenças, deverão sofrer também com frio!

    - Eh! Imagine! O frio e a fumaça, porque geralmente não conseguem queimar ramos úmidos, e as folhas secas, as quais produzem muita fumaça, uma fogueira e certo calor. Freqüentemente, depois de haver visitado um doente, eu tenho que sair para poder escrever a receita, tanto é escuro o interior das casas. E o fedor? Basta-lhe saber que certas famílias são tão pobres que não têm nem mesmo os Mays importantes utensílios. As crianças fazem tudo sobre o chão, que, umedecendo-se e enchendo-se com sujeira, torna-se foco de infecções. E pensar – conclui o Doutor – que esta gente pobre suporta tudo com paciência e resignação! Têm uma índole excelente e bastaria tão pouco para torná-los felizes! O dia que possuírem uma lira e poderem, com uma sopa escaldarem o estômago estarão contentes como na Páscoa.

    - E nas camas como se cobrem com este frio?

    - Geralmente não têm um trapo: colocam as vestes, tudo aquilo que possuem, até mesmo as meadas de fio que as mulheres teceram.

    Na localidade de Belfiore, município de Villanova, entramos em uma casa composta de uma cozinha de chão batido e de um sótão no qual dormem o pai, a mãe e cinco filhos. Entra-se no sótão por uma escada de madeira através de uma estreita abertura. Em cima, sobre uma palha distribuída pelo chão, perto de uma janelinha sem vidros, estava doente uma menina de treze anos. As paredes ao redor tinham os restos de insetos esmagados com os dedos e de outras sujeiras. Já que no sótão, além daquela palha estendida sobre o piso, não via que uma outra quantidade de palha estava suspensa entre dois cavaletes, perguntei à mulher como faziam em sete para dormirem naquele ambiente.

    - Os três filhos menores – responde-me – deitam-se entre eu e meu marido e os outros dois aqui no chão.

    - E vosso marido ganha?

    - Cinqüenta centavos ao dia, com dificuldade.

   Em uma casinha próxima visitamos uma mãe doente com quatro crianças e com um marido que também conseguia ao máximo meia lira ao dia. Em uma casa ao lado morreram toda a família durante a última epidemia de cólera.

    - Olha – me disse o Doutor – precisava fazer a desinfecção, com estes buracos!

    O casebre realmente era cheio de buracos pelos quais os gatos podem passar comodamente. Ora! Todas estas “cabanas de    índios”, pagam impostos, e a polenta escassa de que se nutrem os habitantes é pouco salgada pelo imposto que o Estado cobra sobre o sal!

    Perguntei ao Doutor se havia em tratamento qualquer caso de pelagra.

    - Tive. Gravíssimos. – responde-me. – Alguns com pelagra terminaram loucos em manicômios. Mas agora os casos são menos freqüentes porque o grão moído é seco e, conseqüentemente, Mays saudável a farinha. Porém, se não na forma Mays grave, se pode dizer que quatro quintos da população sofrem permanentemente de pelagra, isto é, são fracos de sangue por alimentação insuficiente.

    Com o mesmo médico fiz uma segunda volta pelos campos numa manhã de dezembro. Como fazia frio!

    Soprava um vento que cortava as orelhas. Uma grande espessura de gelo cobria a água dos canais; o barro das estradas era todo gelado e tornou-se irregular nos rastros das rotas: as árvores, as cercas de arbustos, as gramas, os campos eram cobertos pela geada.

    Enquanto o Doutor visitava um doente, perguntei a um peão de gado algumas informações sobre o seu salário. O peão é um camponês que deve manter em ordem o estábulo, arar, semear, atender a todos os trabalhos que são feitos com o gado.

    - Cada peão da região Polesine – me disse o meu interlocutor – recebe normalmente de seu patrão oito sacos de trigo e dez liras ao ano de salário. Têm, também, um ettolitro de mosto (sumo de uvas antes da fermentação), um pouco de lenha, um terço do terreno divido para cultivar, que nos rende seis a oito sacos de milho, e uma renda semanal em dinheiro que varia de sessenta centavos a uma lira.

    - O que faz do mosto?

    - O juntamos com água e fazemos o vin piccolo, um vinello que é a nossa bebida habitual, até quando nos dura. Com dois ettolitri de mosto este ano eu fiz vinte e quatro.

    - E o leite?

    - Quando temos no estábulo vacas de leite, se faz um pouco de queijo e de manteiga que tem que ser dividido com o patrão. Até quando se tem o leite, porém, não recebemos o pagamento semanal em dinheiro. Se temos famílias numerosas, então, certos patrões nos dão para cultivar um pouco de cânhamo ao terço ou cultivar alguma área com milho ao sexto. Alguns patrões, finalmente, nos compram um porquinho pequeno todo ano, nós o engordamos e depois o dividimos.

    - Deste modo, em geral, vocês peões passam menos mal.

    - Em comparação, com os camponeses fixos medaori e os temporários desobblighi, - sim, senhor -; mas deve considerar que com os ganhos que lhe disse, devemos também nos vestir. E uma vez que não conseguimos nunca guardar cinco liras, somos levados a nos vestir, com este frio, com tecido ou festão de quarenta centavos por metro. Somente quando somos jovens e vai se casar, com grande sacrifício procuramos encontrar uma roupa de tecido melhor (lã), de oito ou nove liras. E quanto aos sapatos para os dias de festa ou feriado, chegamos a usar um par cada dois ou três anos. No trabalho, no verão andamos descalços e no inverno temos os sgalmare, tamancos de madeira que geralmente fabricamos nós mesmos. Em comparação com os outros camponeses, lhe digo, nós, peões, estamos melhores; mas quando estamos carregados de filhos acontece freqüentemente que não conseguimos manter a família e então devemos pedir ao patrão algum saco de polenta para descontar do salário do ano seguinte.

    - Consomem quanta polenta, em média, por cada um?

    - Meio saco ao mês. A minha família, que é numerosa, consome cem sacos ao ano. Na minha família somos em seis homens que trabalham de manhã à noite e em tudo, e os seis não ganham em dinheiro Mays de quatro liras por semana.

    - Os salários dos peões aumentaram nos últimos anos?

   - Não, senhor: permaneceram aquilo que eram, há quarenta anos atrás; certos ganhos nossos, pelo contrário, estão diminuindo. Antes, por exemplo, por cada vitelo que nascia, o patrão nos dava duas liras; hoje nos dá uma lira e vinte e cinco centavos. Os nossos salários permanecem invariáveis enquanto encarecem todos os produtos de primeira necessidade, começando pelos gêneros alimentícios.

    - Diga-me, um pouco, como comem?

    - Nesta estação fazemos somente duas refeições ao dia. Às nove da manhã comemos pinza (é uma foccacia de milho cozida debaixo da cinza) ou polenta fria sem acompanhamentos. Às três horas da tarde, polenta quente com uma tigela de feijão temperado, com um pouco de óleo, com um arenque ou com verdura cozida. Os Mays pobres comem polenta sem nada, com um pouco de sal ou totalmente sem sal. Nos feriados ou dias de festa se procura fazer um pouco de sopa com óleo ou com toucinho, e as famílias menos miseráveis que engordaram um porco, se não venderam a sua metade, colocam na grelha algum pedaço de salame ou de toucinho; mas em pequena quantidade, porque aquele fornecimento deve durar todo o ano. Pão branco não se faz senão durante a safra, com o produto da colheita.

    - Carne de boi, não provam nunca?

    - Não sabemos nem como que ela é, senhor! Quando há ocasião de comer, é quando morre por doença alguma vaca. Assim também temos os frangos; nós comemos somente aqueles que se adoentam.

    - E café, não tomam nunca?

    - Sim, quando o patrão nos manda do ruim, as nossas mulheres o faz em porções em uma caçarola!

    Em outro casebre encontrei um camponês medaore, isto é, um trabalhador fixo que trabalha para um patrão.

    - Os nossos ganhos são estes – me disse – O patrão nos dá cada ano duas porções de área para cultivar ao terço, que nos rendem de dez a quinze sacos de polenta; meio ettolitro de mosto e um salário que varia de trinta a quarenta centavos ao dia. Os patrões Mays generosos nos passam, também, uma casinha grátis para nos alojar com um pouco de lenha e nos permitem engordar um porco e depois dividir com eles. Em certos lugares nos dão, também, uma área de milho para cultivar ao sexto; isto significa que cinco partes vão para o patrão e uma para nós.

    - E se ficam doentes?

    - Então não somente não ganhamos os trinta ou quarenta centavos ao dia, mas, também, se passa de oito dias, muitos patrões exigem que coloquemos e paguemos outro trabalhador em nosso lugar.

    Em uma terceira casa, visitei um camponês, daqueles considerados desobblighi, isto é , temporários, não obrigados a um patrão, que trabalham por contrato ou por dia quando o tempo é favorável. Era um dos únicos casebres úmidos, de chão batido, frio, mal limpo, composto de dois cômodos: uma cozinha esfumaçada e um quarto, no qual dormem, sobre dois colchões de palha, o pai, a mãe e três filhos, juntos com algumas galinhas.

    - Seja se trabalhamos por contrato ou por dia – me disse o camponês – no inverno ganhamos de cinqüenta a sessenta e cinco centavos por dia quando não chove, não neva e a terra não está congelada. Aproveitando da nossa necessidade, alguns proprietários nos constrangem a fazer contratos para escavar valetas ou para executar outros trabalhos de terra, com os quais não ganhamos Mays de quarenta ou quarenta e cinco centavos por dia. Somente na primavera se consegue oitenta ou noventa centavos, e no verão, quando os patrões têm, ao mesmo tempo, a lavoura para colher e outros serviços para se fazer, consegue-se ganhar uma lira ao dia, uma lira e vinte no máximo.

    Cada vez que num estábulo dos vilarejos da região Polesine morrem uma vaca ou um boi de qualquer doença, o veterinário ordena o enterro do animal. E este vem seguido de três ou quatro camponeses e na presença de um oficial do município. Bastam eles se distanciarem alguns passos, acontece, então, uma cena selvagem, macabra.

    Vinte ou trinta camponeses atentos, armados de machados, de facões e de facas, avançam vagarosamente desenterrando o animal e o fatiam, cada um procurando pegar os pedaços melhores, ao disputarem uma meia-coxa, miúdos e o fígado nascem sempre divergências: os “açougueiros de improviso”, todos ensangüentados, com os olhos brilhando por cobiça e fome, se ameaçam, gritam e mesmo se agridem.

    Recentemente, numa destas carneadas, também se encontrava uma velha, alta e magra, a qual queria levar consigo a cabeça de uma vaca com chifres. Dois camponeses que por conta própria, tiveram a mesma idéia, intimaram a velha de não tocar na cabeça da vaca. A velha, ao invés, a agarrou pelo chifre, a carregou nas costas e foi embora. Os dois a perseguiram e quando a alcançaram a desgraçada, surgiu uma luta, enquanto os outros camponeses continuaram a carnear o animal no buraco. Que essa cena fosse tema de pintura num quadro por um pintor de talento! Era uma cena que recordava os negros da África e os canibais da Oceania. A velha que gritava como uma demoníaca foi ferozmente golpeada e jogada no chão.

    Apenas os camponeses pegaram as partes deles do resultado, correram para casa e colocaram a carne e os ossos para ferver numa panela na qual faziam a polenta. Geralmente é carne imprópria para consumo, nauseante, de ignorantes que tiveram uma longa doença e tomaram uma grande quantidade de medicamentos, mas pobres esfomeados que coisas não comeriam? Esses fazem das refeições solenes coisas semelhantes: tempo desses um habitante de Villanova morreu de indigestão após uma dessas refeições.

    Quando morre um animal de carbúnculo ou de outra doença contagiosa, o veterinário, conhecendo os costumes da cidade, ordena que nas carnes das carcaças dos aniMays se façam longas incisões e se coloque petróleo por dentro e fora. Então, nem mesmo essa precaução serve para que a cova do animal permaneça inviolada: há quem tem o estômago para comer também as carnes Mays estragadas.

    E o oficial do município não assiste aos enterros dos aniMays que por pura formalidade. Distanciando-se, ele diz sempre aos camponeses reunidos nas proximidades: - O meu dever eu fiz: agora vocês façam o diabo que quiserem: - Mays uma vez acrescenta: - lembrem de levar-me um pedaço na minha casa, que eu também ao menos o provarei.

    Digo Mays adiante – o que é que os pobres esfomeados não comeriam? – Contava-me um vendedor de frios que o salame velho e rançoso é muito procurado pelos camponeses, primeiro porque é barato e depois porque dizem ch’el cunza mejo, por isso que tempera melhor. O mesmo acontece com a gordura de porco ou toucinho.

    O mesmo vendedor de frios me informava que no inverno ele não vende bacalhau baccalà, scopettoni, arengue (peixe salgado) arenghe, figos de baixa qualidade e um pouco de queijo de vaca. O queijo de ovelha é já uma coisa de luxo. Durante os últimos dias de carnaval, quem tem algum dinheiro comprará meio copo de melaço para comer com polenta. Um charque de peixe é um acompanhamento de uma família de seis ou sete pessoas. No verão, ele vende muitas sardinhas em barril (as Mays baratas) e, no outono, as batatas-doces americanas.

    Um dia, por não sei qual doença, morria um burro, velho e louco, que pertencia a um pequeno agricultor. O pobre burro magro, esquelético, foi sepultado no dia seguinte num campo.

    Na manhã seguinte, passando por uma estradinha a cinco ou seis quilômetros de sua casa, aquele agricultor viu em um fosso seco a parte inferior da perna de um burro. A olhou de perto e de fato a reconheceu por uma perna de seu burro que haviam desenterrado e comido.

 
 
 
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